A garota estava apaixonada. Irremediavelmente apaixonada, (ela pensava).
Neste domingo, na casa de sua mãe, deitada para dormir, ela traça planos para o dia seguinte na escola. Imagina cenas, ensaia palavras e gestos, especulando consequências. O que poderia fazer para se aproximar, qual seria o caminho certo?
Existia nela uma curiosidade e um desejo, mas ela não sabia direito pra onde ia tudo aquilo. Aproximar-se, declarar-se, beijar o menino da escola. Parecia simples. E se não fosse? Tinha medo. Ela não sabia o que ele pensava dela, o que sentia por ela, não sabia qual seria sua reação. Ia doer se ele dissesse não. E nesse limiar de consciência, numa fantasia semi-adormecida, ela imagina o super-poder que resolveria sua situação.
Algo que fizesse o menino ver (sem que ela tivesse que falar) que o que ela sentia era bom, e que ela era uma garota esperta e bonita, e que ela sentia uma dor fechada no peito quando os dois se despediam na escola, mas que abria um sorriso tão grande quando encontrava com ele de novo no dia seguinte, que não tinha como eles não serem felizes juntos. Tudo parecia tão certo. O que faltava para que ele percebesse? Ela imagina um jeito de entrar na cabeça dele, de fazê-lo ver tudo do jeito que ela vê.
E nesse quase-sonho, ela vê sua alma saindo do corpo, viajando entre os prédios e viadutos da cidade, procurando, procurando, até achar a casa do menino e aterrissar lá dentro do coração dele, para que ele sentisse exatamente o que ela sente. Aí a sua alma mostraria para ele o quanto os dois combinavam e quão absurdo era que estivessem separados até agora.
E no dia seguinte, a primeira coisa que ele faria na escola seria beijá-la.
Ela pisca, mansinha, quase dormindo, embalada na certeza de que sua alma está lá, e que amanhã ela volta, trazendo ele junto.
"Mas, peraí", - ela pensa - "se minha alma está lá com ele, quem é que está aqui comigo”? E para onde teria ido a alma dele enquanto a dela está lá? Um corpo não pode ter duas almas, nem uma alma pode controlar dois corpos, ela se assombra.
Ela imagina um tipo de dança das cadeiras, e todas as alminhas expulsas dos seus corpos, revoando como borboletas à procura de um coração vazio pra aterrissar. E se a sua alma se perdesse no caminho e ficasse pra sempre vagando, saltando de uma pessoa pra outra, sem conseguir voltar? E se alguma alma safada e oportunista resolvesse ocupar o seu corpo abandonado? E se a alma do menino da escola estivesse, naquele momento, procurando exatamente o coração dela para pousar?
Foi com esse último pensamento que ela conseguiu adormecer.
Um comentário:
ghost in the shell
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