25 novembro 2009

se não sabe o que dizer, não faça uso de palavras







Entre línguas estrangeiras,

a menor distância é o beijo.

19 novembro 2009

O homem perfeito

As duas amigas conversavam no bar. Algumas cervejas na mente e uma delas sugere uma rodada de tequila. Por que não?

Marina e Cecília se conheceram quando a primeira namorava o Luiz. Acho até que foi ele que apresentou as duas. Nunca foi plenamente esclarecido se houve uma intersecção temporal entre a fase do fim no namoro da Marina e o começo do rolo que o Luiz teve por alguns meses com a Cecília, mas isso também nunca foi investigado a fundo.

Demoraria ainda antes que elas voltassem a se falar. A Ciça não sabe, mas a Marina voltou a pegar o Luiz, fato determinante pra ela perceber que ele realmente não valia a pena. Foi importante para a amizade das duas o dia em que, numa conversa sobre o Luiz, Cecília chorou no colo da Marina (menos por culpa do que pelo acolhimento inesperado da antiga rival), quando o ex comum já era para as duas um nome do passado.

As duas acabaram se tornando, a despeito das probabilidades, companheiras de solteirice e fuleragem. Conversavam agora sobre a noite anterior.
Marina: E na balada ontem, o cara lá falando da eterna busca de um sentido inexistente.
Cecília: E você olhando pra ele e dizendo “me come”.
Marina: Tipo isso. Cada vez mais bêbada, todo mundo indo embora e o cara lá falando. Eu só pensava "mais uma noite perdida".
Cecília: Uma dose de canalhice é importante pra acelerar as coisas, né. Manter o suspense.
Marina: Pra mim pode ser dupla, que eu já criei resistência.
Cecília: No começo é divertido. Foda é quando você resolve namorar e o sujeito não tira nunca da cara aquele olhar de "te peguei / vou te pegar" pra toda mina que passa.
Marina: Aí você faz igual, de preferência com os amigos dele.
Cecília: Ai, que preguiça.
Marina: Vai dizer que você prefere os românticos.
Cecília: Ah, eu gosto. Pronto, falei. Aquele que você acorda no meio da noite e ele tá te olhando dormir com cara de apaixonado.
Marina: Acho que eu ia ficar assustada.
Cecília: Só depois dos três primeiros meses. No começo é muito fofo.
Marina: Por isso que eu gosto do Lucas. Eu mando mensagem, ele liga de volta na hora. Nem troca idéia, diz só "onde você tá? Tô passando aí". Aí ele vem, faz o serviço, não liga no dia seguinte. Sem imprevisto, sem DR, o homem perfeito.
Cecília: Perfeito eu não sei, mas parece um bom custo-benefício.
Marina: Vou te dizer que é, viu. Garçom, mais duas tequilas, por favor.

sob condições adequadas de temperatura e pressão

Uma música marcante de uma fase boa do passado é como um amor quase esquecido.

Se você não tiver vergonha do que foi e não renegar tudo que ocorreu desde então, nada impede que, ao escutar novamente na circunstância correta, sobrevenha aquele mesmo sentido, aquele mesmo encanto de outros tempos, acrescido da nostalgia e de certo distanciamento, como a lembrança de uma vida alheia. Isso, claro, se já tiver passado a fase do abuso, que dá quando se ouve muito a mesma coisa.

E aí você pode se pegar cantando de novo aquela velha música, por mais que pareça, então, inadequado dançá-la publicamente a passos de coreografia como você já fez um dia.

12 novembro 2009

garota esperta 6

A mãe, preocupada com o futuro da garota, liga para o pai:
- Essa garota anda com um comportamento muito estranho. Com que tipo de gente ela anda convivendo quando está com você?
- Só gente de confiança, pode ficar tranquila.
- Ela passa o dia no quarto, lendo quadrinho e ouvindo música, de incenso aceso.
- Olha só que moça privilegiada essa nossa filha.
- Veio me dizer outro dia que achava que a mulher tinha o direito de decidir sobre seu corpo e seu futuro e que o SUS devia fazer aborto de graça.
- E você achou isso um absurdo?
- Acho que ela tá muito cheia de argumento pro meu gosto.

11 novembro 2009

obviedades em tom de profecia

A loucura tem pressa, a solidão é um cavalo veloz.

toda satisfação é provisória

Ao pessimista, na hora do fracasso, cabe o conforto de dizer "eu já sabia".

05 novembro 2009

esses caras só me dão vergonha


Clique na imagem para ler, mas saiba já que não vale a pena.

03 novembro 2009

mais um xaveco furado


nunca disse que era verdade

A muito custo consegui dormir, depois de noites e noites de insônia. Acordei de sobressalto com alguém que me cutucava no escuro. Era eu mesmo, naquele breu, querendo ter uma daquelas esclarecedoras conversas de si para si. Tentei voltar ao sono, mas minhas perguntas não deixavam. Virei de lado, mas lá estava eu, me olhando de frente, com novas indagações.

Perguntei se era mesmo comigo que eu queria falar. "Tanta gente mais interessante no mundo", eu disse, mas não bastou, o assunto era comigo mesmo. "Não podemos deixar para amanhã esse papo"? - foi o meu último recurso. "Não, não podemos", respondi, impassível.

Vendo-me acuado naquele interrogatório, tive de ser sincero, por mais embaraçoso que fosse: "você poderia repetir, eu não estava prestando atenção". Quantas vezes, sob pressão, não somos obrigados a dizer a verdade apenas para que não nos chamem de mentirosos.

E era justamente sobre isso que eu me indagava: a mentira. Exigia uma justificativa moral para os meus atos, alguns bastante questionáveis, eu bem sabia. Teria de defender minhas posições sobre o assunto caso quisesse me afastar da incoerência. E logo àquela hora da madrugada. Precisaria ser sincero, ou viveria irremediavelmente na inverossimilhança, coisa inadmissível a uma personagem fictícia. Comecei:
- A mentira tem sua função e sua importância, mas a vejo como um rito, uma religião, uma droga. Uma dessas coisas de que não devemos abusar. Mas aí, você viu  jogo do Curíntia ontem?
Tentei mudar de assunto, julgando que me daria por satisfeito, mas eu não tinha visto o jogo. Tive de continuar minha defesa:
- Olha, eu sei que você concorda comigo. Algumas pessoas simplesmente não precisam, não querem e nem farão nada depois de ouvir nossas verdades. Eu nada devo a elas. Minto só quando posso poupar um constrangimento, quando posso ser beneficiado pela dúvida, aquela mentira sobre sentimentos, que ninguém pode desmentir, aquela sobre palavras que pra cada um significam uma coisa diferente. 'Eu te amo', essas coisas. Não é uma questão de dizer ao meu amigo que os cadarços dele estão desamarrados uma vez que ele esteja de chinelos. O ponto central é a omissão de uma informação irrelevante. Não vou dizer ao cobrador do ônibus o quanto me irrita a sua mania de fazer aspas com os dedos, como se sua cabeça fosse uma citação. Não preciso elogiar a gravata do chefe, mas se eu puder omitir que acho a esposa dele uma gostosa, provavelmente vai ser melhor para todo mundo.
Já estava me empolgando com o argumento, e prestes a fazer confissões mais profundas, quando olhei ao redor e me deparei sozinho. Se bem me conheço, já estava cansado daquele meu papo besta. Além do mais, eu sabia que era tudo mentira.

02 novembro 2009

a trégua forçada

Em meio a tantas galáxias, o planeta terra girava em torno do seu próprio eixo, indiferente. Nele, vidas surgiam e findavam ciclicamente, alternando-se o dia e a noite.

Alheio a tudo isso, o cavalo negro captura a torre branca. Apenas jogávamos xadrez.

Naquele momento, tudo que extrapolava os limites do tabuleiro e de sua coerência matemática perfeita residia, para nós, no campo da não-existência.

Foi então que, sem aviso nem licença, foi-nos imposta uma trégua:

A gatinha preta que, deitada, nos observava, subitamente levanta, salta sobre a mesa e, demonstrando sua supremacia sobre mais aquele reino, pata ante pata, solenemente atravessa o campo de batalha, indo se deitar na poltrona no canto oposto da sala, perante os olhares impassíveis e paralisados dos dois exércitos.

Pisando apenas nas casas vazias, sem derrubar ou sequer tocar peça alguma, ela passou de orelhinhas franzidas e olhar blasé, na espécie de falsa indiferença daqueles que querem ser notados, mas jamais admitiriam, simplesmente porque isso implicaria no reconhecimento da existência do observador.

Aquele movimento (aparentemente gratuito, considerando-se os demais caminhos, talvez menos belicosos, para que ela chegasse àquela mesma poltrona) provava-nos não apenas que ela podia pisar onde desejasse, mas também evidenciava a nossa condição de humanos úteis, embora dispensáveis.

 A nossa compenetração e o objeto de nossa disputa não tinham, para ela, qualquer significado, era o que diziam suas patinhas silenciosas e seu bigode petulante.

Numa existência sem acasos, como simboliza o rigor geométrico do tabuleiro, aquela teria sido apenas mais uma torre capturada pelo meu avô.